sexta-feira, 8 de setembro de 2023

Educação moral: direito dos pais

Por Miguel Nagib *

Examino no presente estudo o problema da educação moral nas escolas sob uma perspectiva eminentemente jurídica.

Ou seja, não se trata de saber, aqui, se o que as escolas estão ensinando em matéria de valores morais é positivo ou negativo; nem se é conveniente ou inconveniente que questões morais controvertidas sejam levadas para dentro da sala de aula.

Trata-se de saber apenas se a Constituição e as leis do país permitem que isso seja feito e, caso permitam, em que condições.

Como ninguém ignora, as salas de aula estão sendo usadas de modo intensivo para promover determinados valores, com a finalidade de moldar o juízo moral, os sentimentos e as atitudes dos estudantes em relação a certos temas.

Que temas são esses? Depende da moda, das novelas, da ONU, da UNESCO e das minorias que controlam o MEC e as secretarias de educação. Pode ser orientação sexual, homossexualismo, questões de gênero, “direitos reprodutivos” (p. ex., aborto), modelos familiares, ética, meio ambiente, etc.

Os educadores chamam isso de “educação de valores”.

Atenção: não existe uma disciplina escolar chamada “educação de valores” ou “orientação sexual”, por exemplo. Esse conteúdo é espalhado nas disciplinas obrigatórias do curriculum -- Português, Matemática, Geografia, Biologia, História --, por meio de uma técnica chamada transversalidade. Por exemplo: numa aula de Ciências, ao tratar do aparelho reprodutor, o professor aproveita para explicar aos alunos “como se transa”; ou, numa aula de Comunicação e Expressão, o professor manda que os alunos leiam um texto que promove o comportamento homossexual.

Nesse tipo de educação, o objetivo não é transmitir conhecimento, mas, sim, inculcar certos valores e sentimentos na consciência do estudante de modo que ele tenha determinado comportamento. É um tipo de lavagem cerebral, porque utiliza, muitas vezes, técnicas de manipulação mental bastantes conhecidas (recomendo, a propósito, a leitura do livro “Maquiavel Pedagogo”, de Pascal Bernardin).


Acontece que os valores promovidos pela escola não coincidem necessariamente com aqueles que o estudante aprende em casa com seus pais. E isso fica muito claro quando o assunto é alguma questão relacionada à moral sexual.

Por exemplo: um dos temas mais explorados na educação de valores é, como se sabe, a sexualidade. E, ao tratar desse tema nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) -- um documento que contém recomendações a serem observadas pelas escolas de todo o país --, o MEC adota claramente dois princípios fundamentais: o “direito ao prazer” desde a mais tenra idade; e “sexo seguro”. Tudo mais é rotulado de “tabu” ou “preconceito” (a palavra preconceito aparece 17 vezes no caderno de orientação sexual dos PCNs).

Vejamos um exemplo de como isto funciona na prática. O texto abaixo foi extraído de um livro escrito para crianças de 7 a 10 anos, intitulado “Mamãe, como eu nasci?”. O autor, Marcos Ribeiro, é sexólogo, com curso de Educação Sexual pelo Centro Nacional de Educación Sexual (Havana, Cuba); consultor em Sexualidade para o Ministério da Saúde, Fundação Roberto Marinho, entre outras instituições públicas e privadas; parecerista para o Ministério da Educação nos Parâmetros Curriculares Nacionais e co-autor dos Parâmetros Curriculares Nacionais em Ação (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos. Ou seja, é um especialista que presta serviço para o governo e para entidades que atuam na educação de crianças e jovens.

Pois bem, ao tratar do tema da masturbação infantil, o Sr. Marcos Ribeiro, dirigindo-se a crianças de 7 a 10 anos, escreve o seguinte:

“Alguns meninos gostam de brincar com o seu pênis, e algumas meninas com a sua vulva, porque é gostoso.

As pessoas grandes dizem que isso vicia ou "tira a mão daí que isso é feio". Só sabem abrir a boca para proibir. Mas a verdade é que essa brincadeira não causa nenhum problema. Você só tem que tomar cuidado para não sujar ou machucar, porque é um lugar muito sensível.

Mas não esqueça: essa brincadeira, que dá uma cosquinha muito boa, não é para ser feita em qualquer lugar. É bom que você esteja num canto, sem ninguém por perto.”

(Para ler outros trechos desse livro, clique aqui)


Observem como esse texto está perfeitamente de acordo com aqueles princípios adotados pelo MEC: direito ao prazer e sexo seguro.

Transcrevo, a seguir, uma passagem do caderno de Orientação Sexual dos PCNs, que relaciona alguns temas que, segundo os especialistas do MEC, devem ser tratados em sala de aula:

“Com a inclusão da Orientação Sexual nas escolas, a discussão de questões polêmicas e delicadas, como masturbação, iniciação sexual, o “ficar” e o namoro, homossexualidade, aborto, disfunções sexuais,prostituição e pornografia, dentro de uma perspectiva democrática e pluralista, em muito contribui para o bem-estar das crianças, dos adolescentes e dos jovens na vivência de sua sexualidade atual e futura.”

Em suma, não há dúvida de que as disciplinas obrigatórias do curriculum escolar estão sendo usadas para promover determinados valores morais, especialmente, em questões ligadas à sexualidade.

O problema -- e aqui chegamos ao aspecto propriamente jurídico da matéria -- é que isto se choca com o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.

Que direito é esse?

Além de ser um direito natural -- ou seja, um direito que existe independentemente de estar previsto em lei, porque decorre da própria natureza das coisas --, esse direito é garantido expressamente pelo art. 12 da Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH), também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica.

O art. 12 da CADH diz o seguinte:

“Os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com suas próprias convicções.”

A CADH é um tratado internacional assinado pelo governo brasileiro que tem força de lei no Brasil desde 1992. Ou melhor: de acordo com o Supremo Tribunal Federal, a CADH, por ser um tratado sobre direitos humanos, está no mesmo nível hierárquico da Constituição Federal.

Ao dizer que os pais têm direito a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções, a CADH está reconhecendo aos pais o direito de decidir a educação moral que será transmitida a seus filhos.

Ora, se cabe aos pais decidir o que seus filhos devem aprender em matéria de moral, nem o governo, nem a escola, nem os professores têm o direito de usar as disciplinas obrigatórias -- aquelas disciplinas que o estudante é obrigado a frequentar sob pena de ser reprovado --, para tratar de conteúdos morais que não tenham sido previamente aprovados pelos pais dos alunos.

Com outras palavras: o governo, as escolas e os professores não podem se aproveitar do fato de os pais serem obrigados a mandar seus filhos para a escola, e do fato de os estudantes não poderem deixar de frequentar as disciplinas obrigatórias, para desenvolver nessas disciplinas conteúdos morais que possam estar em conflito com as convicções dos pais.

Essa é a conclusão que decorre do art. 12 da CADH. No entanto, o direito assegurado por essa norma legal vem sendo sistematicamente violado em nossas escolas, com a conivência e o apoio do MEC e das secretarias estaduais e municipais de educação.

Estamos, portanto, diante de uma gravíssima violação pelo Estado brasileiro de um direito assegurado por um tratado internacional sobre direitos humanos.

Por outro lado, o art. 5º, inciso VI, da Constituição Federal, estabelece:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, (...);

Ora, se o governo, as escolas ou os professores usarem as disciplinas obrigatórias para tentar obter a adesão dos alunos a determinadas pautas morais, isso fatalmente se chocará com a liberdade de consciência dos alunos.

Observo, de passagem, que a liberdade de consciência é absoluta. As pessoas são 100% livres para ter suas próprias convicções e opiniões a respeito do que quer que seja. Ninguém pode obrigar uma pessoa a acreditar ou não acreditar em alguma coisa. O Estado pode obrigá-la a fazer ou não fazer alguma coisa, mas não pode pretender invadir a consciência do indivíduo para forçá-lo ou induzi-lo a ter essa ou aquela opinião sobre determinado assunto. Isto só acontece em países totalitários como Cuba e Coreia do Norte.

Além disso, é preciso considerar que a nossa religião é inseparável da nossa moral. Portanto, a liberdade religiosa dos nossos filhos também estará ameaçada se as disciplinas obrigatórias do curriculumveicularem conteúdos morais incompatíveis com os preceitos da nossa religião.

É evidente, a meu ver, que um Estado que se define como laico não pode usar o sistema de ensino para promover valores morais. Pela simples razão de que a moral é inseparável da religião (pelo menos no que se refere à religião da esmagadora maioria do povo brasileiro, que é o Cristianismo). Se o Estado não pode promover uma determinada religião, também não pode promover uma determinada “moralidade”.

Em todo caso, se o Estado pudesse utilizar o sistema de ensino para promover valores morais, seria necessário saber, antes de mais nada, que valores seriam esses. Haveria uma lista de valores? Quem iria aprovar essa lista? O Congresso Nacional? A Presidente da República? Os Governadores dos Estados? Os Prefeitos? O Ministro da Educação? Especialistas em educação como o Sr. Marcos Ribeiro? Cada professor em sua respectiva sala de aula?

Por aí já se vê a absoluta impossibilidade constitucional da utilização do sistema de ensino para a promoção de uma determinada agenda moral. Mas, a despeito dessa impossibilidade constitucional, essa política está sendo aplicada em nosso país pela burocracia do MEC e das secretarias estaduais e municipais de educação; pelas escolas, pelos professores e pelas editoras de livros didáticos.

Chamo a atenção para o fato de que a abordagem desses temas em sala de aula vem sendo feita sem nenhuma base legal. Não existe lei, votada pelo Congresso Nacional ou pelas Assembleias Legislativas dos Estados, determinando ou permitindo que o sistema de ensino seja usado com essa finalidade. E se lei existisse, ela seria inconstitucional.

Isso está sendo feito por iniciativa exclusiva de funcionários públicos. Servidores dos ministérios e das secretarias de educação e professores estão decidindo por conta própria o que deve ser ensinado aos nossos filhos em matéria de moral -- principalmente moral sexual.

Funcionários públicos estão fazendo aquilo que o próprio Congresso Nacional não tem poderes para fazer.

Portanto, ao contrário do que se pensa, nenhum professor é obrigado a seguir as recomendações dos PCNs em matéria de educação sexual. Ao contrário, ele é obrigado a não seguir essas recomendações.

Mas vamos admitir, para efeito de raciocínio, que o Estado pudesse usar o sistema de ensino para promover valores morais. Nesse caso, obviamente, seria necessário compatibilizar o exercício desse direito pelo Estado com a liberdade de consciência e de crença dos alunos e com o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções.

Evidentemente, o exercício desse suposto direito por parte do Estado não pode ocorrer em prejuízo da liberdade dos estudantes e do direito dos pais, ambos assegurados pelas leis do país.

No entanto, é exatamente isso o que vai acontecer se os temas da tal “educação de valores” forem veiculados nas disciplinas obrigatórias, como têm sido hoje em dia, por meio da técnica da “transversalidade”.

Pois bem, admitindo-se que o Estado possa usar o sistema de ensino para promover a moralidade estatal -- o que não é possível, conforme demonstrado --, qual seria a solução? Como conciliar esse suposto direito do Estado com o direito dos pais e com a liberdade dos alunos?

É simples. Basta que esses conteúdos sejam veiculados numa disciplinafacultativa, a exemplo do que acontece com o ensino religioso. Conhecendo previamente o programa dessa disciplina, os pais decidiriam livremente se querem ou não que seus filhos a frequentem.

[Observação: É claro que nada disso não se aplica às escolas confessionais, já que ao matriculares seus filhos numa dessas escolas, os pais manifestam de forma inequívoca a sua concordância com os princípios morais adotados pela instituição.]

Se isso fosse feito, estariam resguardados, de um lado, o (suposto) direito do Estado de usar o sistema de ensino para promover valores morais; e, de outro, o direito dos pais a que seus filhos recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções; e também a liberdade de consciência e de crença dos estudantes.

Enquanto isso não acontecer, o governo, as escolas e os professores estão obrigados a respeitar o direito dos pais e a liberdade de consciência e de crença dos alunos. E os pais podem entrar na Justiça para fazer valer esse direito.

Em resumo: o art. 12 da CADH e o art. 5º, VI, da Constituição Federal, exigem que os conteúdos morais hoje presentes nos programas das disciplinas obrigatórias sejam reduzidos ao mínimo indispensável para a assegurar que a escola possa cumprir aquela que é a sua função primordial: transmitir conhecimento aos estudantes.

Tudo o que passar disso deve ser colocado, quando muito, dentro do programa de uma disciplina facultativa. Conhecendo o programa dessa disciplina, os pais decidirão se querem que seus filhos a frequentem.

* Procurador do Estado de São Paulo, ex-Assessor de Ministro no STF, fundador e coordenador do site www.escolasempartido.org

FONTE: ESCOLA SEM PARTIDO