Por Mônica Krausz*
1. O que é adoção?
Juridicamente a adoção
é um processo legal e irreversível que transfere o poder familiar
dos pais biológicos, aqueles que geraram a criança, para uma
família substituta, que não tem laços sanguíneos com o menino ou
a menina adotados. Uma opção judicial que visa em primeiro lugar
garantir o bem-estar do pequeno e seu direito fundamental ao convívio
familiar. Para quem adota, a palavra carrega um significado muito
maior: é a possibilidade de realizar o sonho da paternidade ou
maternidade sem gerar, de oferecer proteção, carinho e amor a uma
criança e, principalmente, receber o amor de filho. É uma opção
para quem já tem filhos biológicos e quer aumentar a prole ou para
quem não pode gerar. É fundamentalmente um ato que envolve o saber
dar e receber amor.
2. O que é poder
familiar?
É o poder de pai e
mãe, antes chamado de pátrio poder. O poder de decisão sobre onde
a criança vai morar, estudar, por quais médicos será atendida, com
quem vai conviver etc. É o dever de protegê-la, educá-la e
garantir que nada falte. O termo pátrio poder, que remete a uma
sociedade muito mais patriarcal, foi usado até a promulgação do
Novo Código Civil, de 2002. O termo poder familiar faz muito mais
justiça às famílias da atualidade, já que, de acordo com as
últimas pesquisas nacionais por amostras de domicílios (Pnad), hoje
as mulheres chefiam quase um terço dos lares brasileiros.
3. Os pais adotivos
também podem perder o poder familiar?
Sim, pelos mesmos
motivos que tiram o poder familiar dos pais biológicos. Isto é,
pais adotivos podem perder o poder familiar sobre a criança se a
maltratarem, negligenciarem, abandonarem ou a submeterem a
humilhações. Para defender a criança e tentar evitar um segundo
abandono, é que os candidatos à adoção passam por avaliações de
psicólogos e assistentes sociais da Vara de Infância do Poder
Judiciário. Esses profissionais tentam garantir que a criança a ser
adotada seja recebida em um ambiente afetivo e acolhedor, livre do
convívio com pessoas psicologicamente perturbadas, dependentes de
álcool e outras drogas, por exemplo.
4. Quem pode adotar?
Qualquer homem ou
mulher maior de 18 anos e com uma situação socioeconômica estável,
ou seja, capaz de se manter financeiramente e manter uma família. A
pessoa precisa também ser pelo menos 16 anos mais velha do que quem
será adotado. Não é preciso ser casado. Viúvos, divorciados e
solteiros podem adotar sem problemas. Porém, para que um menino ou
uma menina sejam adotados por um casal, deve haver uma união civil
estável entre eles. A legislação brasileira ainda não permite a
adoção por casais homossexuais, assim como não reconhece a união
estável entre eles. Assim, legalmente, a criança será adotada por
apenas um deles. Uma questão ainda bastante polêmica.
5. Devo procurar a
criança que quero adotar em um orfanato?
Não é aconselhável.
Em primeiro lugar, é importante saber que desde a promulgação do
Estatuto da Criança e do Adolescente, em 13 de julho de 1990, os
orfanatos passaram a ser chamados de abrigos, pois na verdade a
grande maioria das crianças que neles permanecem não é órfã. São
meninos e meninas que mantêm vínculos com suas famílias de origem,
mas estão ali provisoriamente porque suas famílias estão
desestruturadas e são incapazes, naquele momento, de garantir seus
direitos. Assim, se você for procurar o seu futuro filho em um
abrigo, corre um grande risco de se encantar por uma criança que não
poderá ser adotada, pois seus pais biológicos não tiveram seu
poder familiar destituído.
6. Quais devem ser os
primeiros passos em busca da adoção?
Você deve se dirigir
ao fórum da sua cidade ou região levando RG e comprovante de
residência. Lá você vai receber as orientações necessárias
sobre o encaminhamento do processo e os outros documentos que terá
de apresentar. Após encaminhar tudo isso, a equipe de profissionais
responsável pela avaliação dos pedidos de adoção, composta de
psicólogos e assistentes sociais, analisa a papelada e chama os pais
para um período de entrevistas - pode haver ou não visita a casa
dos candidatos a adoção.
7. O que é verificado
em uma visita à residência?
A visita à residência
e a solicitação de fotos da família têm como finalidade avaliar o
ambiente onde a criança será inserida: as condições de higiene do
lugar, a presença de substâncias nocivas à saúde da criança,
como o excesso de bebidas alcoólicas ou a presença de outras
drogas, o espaço em que ela irá dormir, brincar, estudar etc.
8. O que os
profissionais da vara da infância avaliam nas entrevistas?
O processo de avaliação
gera uma justa angústia entre os candidatos à adoção, mas é com
base nas entrevistas que os profissionais da vara da infância vão
tentar saber quais são os motivos que levaram os candidatos a adoção
a escolher essa forma de se tornarem pais e o seu preparo para
acolher, educar e amar uma criança que não tem o seu sangue. É um
real desejo de exercer a paternidade ou maternidade? Um desejo de
fazer caridade? Substituir um filho que perdeu? Ter uma companhia?
Como foi o relacionamento desses candidatos com seus próprios pais?
Era uma relação harmoniosa ou de conflito? Como se imaginam como
pais? Qual será sua postura em relação ao filho adotivo? Se for um
casal, como é o relacionamento entre eles? Se o casal já tiver
filhos, por que querem mais um e o que os filhos pensam sobre a
possibilidade da adoção?
Os profissionais do
serviço social vão avaliar também o que se espera da criança a
ser adotada. Como é o filho desejado? É um filho possível ou muito
idealizado? Como aqueles candidatos a pais adotivos pretendem lidar
com a questão da adoção diante da criança? Pretendem contar a
verdade a ele?
9. Posso dizer como
quero que a criança seja?
Sim, essa é uma das
partes das entrevistas com os profissionais da vara de infância.
Eles vão perguntar quais são as suas preferências em relação ao
pequeno: faixa etária, etnia, sexo, se pode ser uma criança
exposta, se você aceita adotar irmãos, se ela pode ter alguma
deficiência ou doença crônica, se você aceita alguém que seja
filha de dependentes de drogas, portadora de vírus HIV etc. É
baseando-se no cruzamento das suas expectativas com a disponibilidade
de crianças com o perfil desejado que se dará a adoção. Por isso,
quanto mais exigências em relação a ela, maior a demora.
Infelizmente a matemática não fecha: a maioria das pessoas que quer
adotar ainda espera um bebê recém-nascido, branco e do sexo
feminino, mas a maioria das crianças que esperam por adoção são
meninos, negros ou pardos e maiores de 3 anos.
10. O que é uma
criança exposta?
É aquela que foi
deixada em local público, na porta de uma casa, numa caixa em um
jardim ou outros espaços. Aquela da qual não se tem notícia dos
pais. Normalmente, são adotadas rapidamente porque não há como
tentar uma reintrodução na família de origem, já que a mesma é
desconhecida. É o bebê sonhado por muitos, porém, dele nada se
sabe da história anterior ao abandono.
11. Sou obrigada a
aceitar a primeira criança que a mim for apresentada pela vara da
infância?
Não. Você vai ser
chamado para conhecer o histórico e o perfil da criança e decidir
se quer conhecê-la pessoalmente. Se quiser, irá conhecê-la no
abrigo e, dependendo da idade dela, deverá passar por um período de
aproximação por meio de visitas regulares. Havendo empatia, você
poderá levá-la para alguns passeios fora do abrigo e até para um
período de convivência em casa, chamado de guarda. Caracterizado o
vínculo, a adoção será concretizada. Caso a empatia não se
estabeleça nos primeiros contatos, a pessoa está livre para
continuar aguardando por outra indicação. Vale destacar, porém,
que de acordo com a Nova Lei de Adoção, a recusa sistemática às
indicações feitas pela vara da infância pode levar a uma
reavaliação da habilitação do candidato.
12. Se deixarem um bebê
na minha porta, eu poderei adotá-lo?
Isso vai depender da
avaliação do juiz da sua região. O correto é que você leve a
criança até o fórum e a entregue para a assistência social. Se
você tiver o real desejo de adotá-la, pode solicitar a guarda
provisória, enquanto é dado encaminhamento ao processo, mas você
corre o risco de criar vínculos e perder a guarda no meio do caminho
por decisão do juiz. Lembre-se de que você terá de fazer um
cadastro e passar por todas as avaliações pelas quais passam todos
os candidatos a adoção. Apesar da sua intenção, o juiz pode
determinar que a criança seja entregue a uma família que já
aguarda por um bebê há mais tempo.
13. Por que uma pessoa
abandona um filho?
De acordo com Maria
Beatriz Amado Sette, terapeuta familiar e assistente social
judiciária e fundadora do Projeto Acolher
(http://projetoacolher.blogspot.com), uma ONG de apoio à adoção,
em São Paulo, hoje o termo mais usado não é abandono, mas entrega.
Os motivos, segundo ela, são muitos e estão ligados
prioritariamente à falta de condições econômicas: "Na
maioria das vezes, a entrega é feita com a genuína intenção de
proteger o filho, com a esperança de que ele venha a receber afeto e
tenha condições de vida digna, o que ela, naquele momento, não
pode lhe oferecer".
A Nova Lei de Adoção
garante acompanhamento médico, psicológico e assistência social à
gestante que pretende entregar o filho para evitar que a criança
seja abandonada em local inadequado e que a mãe se arrependa da
decisão tomada em momento de aflição.
14. Quem são as
crianças que estão nos abrigos?
Diferentemente do que a
maioria das pessoas pensa, as crianças que estão nos abrigos não
são órfãs. De acordo com o Levantamento Nacional de Abrigos para
Crianças e Adolescentes, realizado pelo Ipea em 2003, apenas 5,2%
delas não têm pai nem mãe conhecidos ou vivos. A maioria (86,7%)
tem família e 58,2% mantêm vínculo familiar, ou seja, são
visitadas por algum parente. Há mais meninos (58,5%) e
afro-descendentes (63,6%). A grande parte deles tem entre 7 e 15 anos
(61,3%). E estão ali há um período que varia de sete meses a cinco
anos (55,2%). Atualmente, de acordo com o Cadastro Nacional da
Adoção, 4 219 crianças estão disponíveis para adoção em todo o
país.
15. Por que as crianças
permanecem tanto tempo nos abrigos?
Esse é um problema que
se busca resolver hoje com o Cadastro Nacional de Adoção, lançado
em abril de 2008 e com a nova Lei de Adoção, que entrou em vigor em
novembro de 2009. O cadastro busca reunir e disponibilizar para os
juizes de infância dados nacionais sobre todos os pretendentes a
adoção inscritos no país e sobre todas as crianças que podem ser
adotadas também. Já a Nova Lei determina o prazo máximo de dois
anos para o abrigamento provisório, além de determinar o
acompanhamento semestral da situação da criança. Como a maioria
dos pretendentes à adoção ainda espera alguém menor de 3 anos,
quanto mais tempo o menino ou a menina permanecem abrigados, menores
são as chances de adoção.
16. Por que a espera
pela adoção é tão longa?
Justamente porque as
exigências por parte dos pretendentes a adoção são muitas. Na
prática, se você não tiver preferência de sexo, a adoção será
mais rápida, se não limitar muito a idade e aceitar grupo de
irmãos, mais rápida ainda e se não excluir nenhuma etnia, suas
chances aumentam muito mais.
Vale lembrar que essas
escolhas devem ser feitas com o coração e com a razão também. O
período de espera acaba sendo um tempo de reflexão sobre a
disponibilidade afetiva de cada um. Nos grupos de apoio, a adoção é
comum ver pais que entram esperando um bebê recém-nascido, de
determinada etnia e sexo, porém, após algum tempo de troca de
experiências, acabam flexibilizando suas expectativas e vendo que
também são capazes de amar crianças maiores, de outra etnia ou de
sexo oposto ao que pretendia inicialmente.
17. E se uma gestante
me oferecer o filho para adoção?
Mesmo assim você deve
procurar com ela a vara da infância da região dela para que a
mulher seja acompanhada pela assistência social. Esse tipo de
adoção, em que a mãe entrega o filho para uma pessoa que ela
escolheu, é chamada de adoção pronta, ou consensual. Mesmo nesse
caso, você também terá de passar pela avaliação no fórum da sua
região para ser habilitado. Vale saber que nem todos os juízes
aceitam esse modo de adoção e podem determinar que a criança seja
entregue a uma família previamente cadastrada.
18. E o que é a adoção
à brasileira?
É uma adoção ilegal,
sem validade perante a lei. Acontece quando a mãe biológica entrega
o filho para outra mulher e esta a registra como se tivesse nascido
dela. É algo que pode ser contestado no futuro pela mãe biológica,
pedindo a criança de volta.
19. Durante o processo
de adoção, é obrigatório participar de um grupo de apoio?
A Nova Lei de Adoção
estabelece a necessidade de preparação dos futuros pais pelo poder
judiciário. Os grupos de apoio à adoção podem atender a essa
demanda, mas não foram criados com essa intenção, mas para acolher
as dúvidas de quem pretende adotar ou já adotou. Frequentá-los não
é obrigatório, mas é aconselhável justamente em função da troca
de experiências. A mulher gestante e o futuro pai biológico
costumam ter a orientação dos médicos, fazer cursos para pais etc.
Os grupos de apoio fazem um pouco esse papel. Antecipam
questionamentos, levam a reflexão sobre diversas fases do processo
de adoção, desmitificam preconceitos. Vale buscar por um próximo à
sua casa. Consulte a Associação Nacional dos Grupos de Apoio a
Adoção (http://www.angaad.org.br).
20. É importante que a
criança tenha a mesma etnia dos pais?
Quem responde é a
advogada Marta Voltas, mãe adotiva da pequena Lis, 6 anos: "Não,
não é importante. Em um primeiro momento, pode-se pensar que é
necessário a mesma aparência física. Entretanto o vínculo é
criado com o coração e não por meio da aparência. O sentir é que
devemos procurar no momento da escolha da criança e não o visual
externo". Marta é branca, casada com o empresário Nissei Hélio
e Lis é morena. No início do processo de adoção, o casal
procurava por uma criança com traços orientais e foi no grupo de
apoio que percebeu que a etnia não seria importante. A juíza Andréa
Pacha, do Rio de Janeiro, lembra, no entanto, que a Nova Lei de
Adoção prevê a possibilidade de manter crianças indígenas e
quilombolas nos seus grupos culturais a fim de evitar perdas ainda
maiores com um rompimento abrupto.
21. Meu filho vai
sofrer preconceito?
Para a advogada Marta
Voltas, mãe adotiva, qualquer um é passível de sofrer algum tipo
de preconceito: por ser gordo, magro, negro, baixo, alto etc. Para
ela, o importante é fortalecer o vínculo afetivo com a criança
para que ela esteja muito forte e consciente de que é amada. "Assim,
caso haja algum tipo de preconceito, ela saberá lidar da melhor
forma possível."
22. É difícil adotar
irmãos?
Hoje algumas pessoas
optam por adotar irmãos porque acreditam que com essa escolha a
espera seja menor. Assim também não teriam de entrar na fila, mais
uma vez, alguns anos depois. Realmente, se a ideia é ter mais
filhos, adotar irmãos é uma boa alternativa segundo a mãe adotiva
Tânia Souza, mãe do Eric, 9 anos, e da Poliana, 11. Quando ela os
adotou, foi tudo muito rápido em função da sua disponibilidade em
ficar com os dois. Erick chegou com 1 ano e 9 meses, e Poliana, 4.
Sobre a adaptação da família, ela afirma: "Por estarem
juntos, eles se sentem mais seguros. Afinal, nem tudo é estranho.
Eles têm um ao outro." Claro que é mais trabalhoso e corrido
dar banho nos dois, fazê-los comer, entender a preferência
gastronômica de ambos. Mas ainda assim ela acredita que seja mais
fácil do que recomeçar tudo anos mais tarde.
23. Quando meu filho
adotivo chegar, terei direito a licença-maternidade/paternidade?
Sim. As mães adotivas
têm direito à licença maternidade de 120 dias no caso de adoção
de criança de até 1 ano de idade, 60 dias para aquelas com mais de
1 e menos de 4 anos, e 30 dias, caso o pequeno tenha entre 4 e 8
anos. O direito de salário-maternidade é estendido à adotante. O
pai adotivo tem direito à licença de cinco dias.
Consultoria: Associação
dos Magistrados Brasileiros (AMB)
- Mônica Krausz é Jornalista Amiga da Criança, mãe adotiva do Vincent, 9 anos, e frequenta o Projeto Acolher, um grupo de apoio à adoção, há dez anos.
FONTE
http://filhosadotivos.blogspot.com.br/2010/01/adocao-perguntas-e-respostas.html